PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE ANGOLA E PRESIDENTE EM EXERCÍCIO DA UNIÃO AFRICANA, JOÃO LOURENÇO, E PRESIDENTE DO CONSELHO EUROPEU, ANTÓNIO COSTA
TELEVISÃO PÚBLICA DE ANGOLA - “ Boa tarde aos dois Presidentes! A minha questão pode ser respondida por ambos.
Que garantias os países africanos podem ter que os europeus, antigos colonizadores, não vêm agora para a África numa perspectiva neocolonialista, para acederem aos minerais críticos e outros infindáveis recursos que tornam África bastante atractiva, mas sim para o estabelecimento de uma parceria efectiva e igualitária?
PRESIDENTE DA UNIÃO AFRICANA, JOÃO LOURENÇO
Eu penso que a melhor garantia é a confiança criada ao longo dos anos, particularmente ao longo dos últimos 25 anos, desde a altura em que se estabeleceu esta parceria estratégica entre os dois continentes.
Portanto, existe confiança e, na base desta confiança, em princípio consideramos haver garantias de sucesso desta cooperação entre os dois continentes.
PRESIDENTE DO CONSELHO EUROPEU, ANTÓNIO COSTA
Eu gostaria de acrescentar que esta confiança assenta também em projectos concretos. A visão que temos é que o maior e melhor recurso que África tem é o seu capital humano, é o seu talento, é a sua juventude. Nos próximos anos, entrarão no mercado de trabalho, no conjunto do continente africano, 800 milhões de pessoas.
Isso significa que temos aqui uma oportunidade extraordinária de que África se desenvolva não só com base nos seus recursos naturais, que são essenciais para a transição energética ou para a transição digital, mas que a África continue a atrair investimento para se industrializar, para transformar no território africano estes recursos naturais, para que o valor acrescentado se gere e fique aqui em África, para que os empregos sejam criados e se fixem aqui em África, se fixe aqui o talento da juventude africana.
E é essa a visão de parceria que a União Europeia tem com a União Africana e que os Estados Europeus têm com os Estados Africanos.
Como se sabe, as empresas europeias são o primeiro investidor aqui em África e estamos convencidos de que a criação da Zona, da área de comércio livre no continente africano, vai potenciar esse desenvolvimento e os investimentos que temos estado a fazer com base na iniciativa do Global Gateway, quer em infra-estruturas fundamentais para os corredores de desenvolvimento, quer na formação profissional, no investimento em áreas industriais, e não somente críticas como das vacinas, serão essenciais para garantir que esta parceria seja desenvolvida numa base de mútuo interesse e não numa lógica extractivista como ocorreu em séculos anteriores.
AGÊNCIA NACIONAL DE NOTÍCIAS DA ITÁLIA (ANSA)
Senhor António Costa disse que as negociações de hoje se concentraram no multilateralismo e que a Europa e a África, e cito: "estão a pressionar por uma ordem multilateral mais forte, que proteja a Carta das Nações Unidas, reforce a abordagem baseada em regras".
Quando ouço isto, vejo, no pano de fundo, a guerra na Ucrânia. Portanto, a minha pergunta ao Senhor é a seguinte: após quase quatro anos, vê os nossos amigos africanos mais próximos da Europa neste assunto ou eles estão, pelo contrário, a afastar-se?
E para o Senhor Presidente Lourenço, uma pergunta muito semelhante. A Rússia está a investir muito em África, promovendo a sua própria narrativa e os seus interesses. A África está disposta a apoiar a Europa na guerra da Ucrânia? Ou o Senhor vê isso como uma questão na qual não querem se envolver?
Obrigado!
PRESIDENTE DO CONSELHO EUROPEU, ANTÓNIO COSTA
Primeiro, eu poderia simplesmente responder com a nossa declaração única. No ponto número 4, é muito claro que nós, juntos, apoiamos os valores da Carta da União Europeia. E no ponto 5, nós dizemos que, guiados por essas regras e princípios, nós reiteramos o nosso apoio inabalável para uma paz justa, compreensiva e duradoura na Ucrânia, no território ocupado pela Palestina, no Sudão, na República Democrática do Congo, no Sael, na Somália e nas outras guerras e conflitos ao redor do mundo. Então, é muito claro que a nossa parceria é baseada em nossos valores compartilhados e nosso apoio comum para uma ordem multilateral, e uma ordem baseada nas regras internacionais.
Mas você pode dizer mais do que isso. Como eu disse na minha declaração final, hoje em dia nós não temos conflitos locais, nós não temos conflitos regionais. Todos esses conflitos no Sudão, na República Democrática do Congo, em Gaza ou na Ucrânia, não são locais, nem regionais.
Eles são violações à Lei Humanitária, são violações dos valores inscritos na Carta das Nação Unidas. E quando nós permitimos um Estado, não importa qual Estado, desrespeitar a soberania, a integridade territorial, as fronteiras internacionalmente reconhecidas de outros países, nós estamos a permitir que todos os outros países façam o mesmo. E essa é a razão por que não há alternativa para a ordem multilateral e baseada nas regras internacionais.
Porque a alternativa é simplesmente o caos. E nós precisamos evitar o caos, precisamos apoiar a ordem internacional na Ucrânia, na República Democrática do Congo, em Gaza, no Sudão.
PRESIDENTE DA UNIÃO AFRICANA, JOÃO LOURENÇO
Em relação à sua pergunta, é importante dizer-se que enquanto os países africanos ainda estavam colonizados por algumas potências europeias, o principal país que nessa altura se levantou em nossa defesa, em nosso apoio, e contribuiu para que pudéssemos alcançar as nossas independências foi, sem sombra de dúvida, a Rússia, na altura com outra configuração, outra designação: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Foi a potência que, no quadro da Guerra Fria, ajudou os nossos povos a se libertarem do colonialismo europeu.
Com todo o tipo de ajuda: fornecimento de armamento e equipamento militar, formação dos nossos homens, até que finalmente todos nós alcançamos as nossas independências.
E os povos africanos que beneficiaram dessa ajuda estão eternamente gratos à Rússia por este apoio dado. Porque não há, para nenhum país, nada que esteja acima da sua liberdade, acima da independência nacional e da soberania dos povos.
Em relação aos dias de hoje, o facto de a Ucrânia ter sido atacada, ter sido invadida e parcialmente ocupada, a África defende a justiça, defende princípios, e por defendermos a justiça e princípios, nós defendemos, a exemplo do que se passou connosco, o direito à independência, o direito à soberania, o direito à integridade territorial da Ucrânia.
AFRICA TV MEDIA AND FINANCE - Tenho uma pergunta para o Presidente António Costa e também para o Presidente João Lourenço, a mesma pergunta: neste momento, queremos apenas saber, em África qual lição económica e política devemos tirar desta 7ª reunião entre a União Europeia e a União Africana?
PRESIDENTE DO CONSELHO EUROPEU, ANTÓNIO COSTA
Do meu ponto de vista, a lição é muito simples. Continuaremos a trabalhar juntos pela paz e pela prosperidade através do multilateralismo.
PRESIDENTE DA UNIÃO AFRICANA, JOÃO LOURENÇO
Nós consideramos que a grande lição que sai, não apenas desta cimeira, como das anteriores, é o valor que nós prestamos, que nós damos à parceria entre os diferentes blocos.
Quando vivemos hoje num mundo em que existe uma confrontação que vai ao extremo, levando até a guerras, o exemplo que pretendemos dar com estas cimeiras é que, em vez da confrontação, nós preferimos a parceria.
Só a parceria é que vai ajudar os nossos países a se desenvolverem e a criarem melhores condições de vida para os nossos povos.
Nós estamos a dar o sinal contrário àquele que, infelizmente, estamos a ver ultimamente no mundo, em que o unilateralismo está a procurar suplantar o multilateralismo.
Portanto, estamos a dar a indicação de que o caminho a seguir é defender o multilateralismo”.